Enquanto a sociedade está hipnotizada com um assunto geral e abstrato - a Reforma da Previdência - oscilando entre apoiar e repudiar as várias propostas sobre o tema, corre sem alarde, afetando individual e concretamente cerca de 2 milhões de pessoas que precisam do auxílio-doença, a chamada “operação pente-fino”.
O que se vê é uma verdadeira exumação da “caça às bruxas”. Partiu-se, por pressuposição sem lastro em dados reais, do “fato” de que a maioria dos beneficiários do auxílio-doença seriam capazes para o trabalho. Estariam, portanto, recebendo, indevidamente.
A publicidade fez o resto. Divulgando apenas os números sobre os benefícios que foram cessados - omitindo qualquer informação sobre os métodos utilizados para tal fim - e dando a entender que o Governo está “economizando” milhões que estariam sendo “desviados”, conseguiu-se até o apoio de parte da sociedade.
Quem está sofrendo as graves consequências são os incapazes que têm no benefício sua exclusiva fonte de renda. Para eles, resta a insegurança e a incerteza, decorrência inconteste do fato de que seu futuro está exclusivamente nas mãos de um médico da própria entidade responsável pelos pagamentos do benefício, a Autarquia Federal INSS.
Numa época em que não há tempo para se colocar no lugar do outro, onde as pessoas são números, é um risco falar em empatia. Mas arrisca-se lembrar de alguém, cujo apelido - dado por Platão - era simplesmente, “a Inteligência”: Aristóteles. Para o inigualável pensador, só não são capazes de sentir-se no lugar do outro “os que estão completamente perdidos, ou os que são, ao contrário, insolentes, pois pensam que nunca nenhum mal igual poderá atingi-los”.
Ora, saber que a sua fonte de sobrevivência depende de uma avaliação, muitas vezes feita sem sequer um lançar de olhos para os exames médicos, tudo em menos de 10 minutos, é algo inelutavelmente aterrorizante.
A correspondência recebida pelo segurado “solicita” que o mesmo entre em contato com a central 135, no prazo máximo de 5 dias, para fazer o agendamento da perícia médica. Informa, ainda, que deve levar “todos os documentos médicos” que tiver.
Ora, quais seriam esses documentos? E o principal: como conseguir documentos médicos - sejam eles quais forem - em prazo tão pequeno? Repita-se: não há empatia; tudo é número: quanto mais cortes nos benefícios, mais economia, traduzida, aos olhos frios do Governo, como sinônimo de sucesso.
Normalmente, os beneficiários do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, possuem como única opção o atendimento médico pelo SUS. É comum, exatamente por isso, que a dificuldade em conseguir consultas e realizar exames obrigue o segurado a comparecer ao INSS sem qualquer documento. É o suficiente para a “operação pente-fino”: o segurado pode dar adeus à sua única fonte de renda, mesmo incapaz para o trabalho. E que procure a Justiça, se puder e quiser, pois o que parece estar por trás é uma maquiavélica fórmula de dano controlado: o Governo sabe que apenas uma parte dos lesados procura a correção judicial do ato ilegal do INSS.
Dessa forma, a única chance de o segurado manter ou conseguir o restabelecimento de seu auxílio-doença, é se programar com antecedência, consultando um médico e realizando exames que demonstrem sua incapacidade atual, mantendo-os à mão. De toda forma, a orientação de um advogado da confiança do segurado é o caminho mais seguro, diante de cada caso concreto, antes que o auxílio-doença seja indevidamente “cortado” pela malfadada “operação pente-fino”.
Alessandro Otavio Yokohama, advogado (OAB/PR 22.273), professor titular de Direito Administrativo da UNIPAR em Umuarama, Doutor (PUC-SP) e Mestre (UFSC) em Direito.
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