A ação da paternidade se faz em atos, intenções ou ausência delas, reflexões, acertos e erros, na qual a cultura está presente e é essencial na formação das funções psicológicas (Vasconcelos, 1998).
As alterações das condições femininas vivenciadas nas últimas décadas, inevitavelmente repercutem no homem e em seu processo quanto à forma de viver a paternidade, provocando a chamada crise da identidade masculina contemporânea.
O movimento feminista retirou a mulher do espaço privado para o público, fortalecendo-a como ser social. A mulher vem transformando gradativamente sua condição e mais do que nunca, vem demonstrando ter abandonado sua atitude de subordinação, inferioridade e obediência em relação ao homem, passando a manter uma postura de luta pelos seus direitos de igualdade e oportunidades, destaca Silva (2000).
Além disto, a mulher vem transformando sua forma de amar, sua sexualidade e maternidade. Estas transformações alteram de modo significativo sua situação frente ao homem e mais do que isso altera também a vida e modo de ser do homem. Estas mudanças acabaram por motivar muitos autores a debruçar-se sobre o assunto, produzindo várias obras sobre a mulher, mas poucos são os estudos realizados sobre o homem e os resultados das pesquisas ainda não são conclusivos.
E possível observar a dificuldade generalizada que os pais estão experimentando em educar seus filhos. Valores que antes eram claramente definidos perderam suas formas e, junto com eles, retirou dos pais a segurança que anteriormente possuíam para esta educação. Os papéis sociais tinham uma definição bastante clara: a mãe cuidava da casa, dos afazeres doméstico e dos filhos, tanto no que dizia respeito à alimentação, à higiene como nas demonstrações de afeto; ao pai, ficava designado o papel de provedor e de autoridade, que muitas vezes ultrapassava a barreira do respeito para a do medo.
O atual processo de mudança na paternidade gera no homem uma crise de identidade, desestabilizando a postura do macho, uma vez que ele perde o modelo tradicional ficando sem referencial e vulnerável ás exigências do atual modelo, ainda em processo de construção.
A inserção da mulher no mercado de trabalho e sua luta por igualdade de direitos colocaram em “cheque mate” todos os valores tradicionais, sem que se criasse uma nova forma de ação mais eficaz do ponto de vista social; o homem perdeu a noção de sua própria identidade e saiu em busca de uma melhor descrição de si mesmo (Trindade, Andrade & Souza 1997).
Estudos de Maciel (1994) salientam que diante de todas as transformações sociais que vem ocorrendo, o homem está passando por um processo de reavaliação de identidade. Nesta busca, as maiores reflexões permeiam a questão da paternidade. Escravizado pelo estereótipo masculino que impera socialmente, onde o homem-pai é visto como um super-homem, pai provedor e protetor, afastando-o de todas as questões afetivas e emocionais que se articulam com a função paterna, o homem se sente oprimido e excluído, levantando a bandeira de um movimento na busca de um espaço menos conflitivo e desconfortável, procura encontrar um caminho para construir uma paternidade mais gratificante, assimilando que o processo gestacional não é unilateral, ele reclama seu espaço, quer participar efetivamente. Buscando se adequar ao novo momento, construindo uma identidade a partir de seus próprios anseios e necessidades.
Socialmente, o homem possui duas definições: quando se apresentam como um “pai participante”, é tido como um bom pai e, quando aparece como um “pai ausente” é visto como um mau pai. Esses são conceitos estereotipados, que de certa maneira, determinam padrões sociais de aceitabilidade do comportamento frente a paternidade (Maciel, 1994).
Não se pode conceber uma identidade estática, ela não é fixa, imutável, está em constante transformação. A cada década, a cultura, os valores, as normas, vão se alterando, moldando-se às exigências atuais, possibilitando um acúmulo de aprendizagem com as experiências de ontem, para que se possa ser um pouco melhor no amanhã, relata Silva (2000).
Por isso, o autoritarismo não tem mais espaço de ser; é preciso um limite para que se saiba até onde pode ir. Os pais sofrem com a falta de experiência de como seguir esta nova forma de ação, de construir algo novo sem ter um modelo, pois o que se teve até então foi um modelo tradicional de paternidade. Diante do exposto, estabeleceu-se o caos, perdeu-se a identidade do pai e não lhe foi oferecido recursos para a construção de um novo modelo de relações familiares mais eficientes.
Como resultado desta revolução nos papéis sociais da paternidade, Lewis (1999) relata que, o que se observa, é pai inseguro em sua atuação, não conseguem chegar a um consenso sobre a maneira correra e eficaz de ação frente aos filhos, pois ora usam de autoridade extrema, ora são permissivos demais e, por vezes, se abdicam da responsabilidade de pais, até por não saberem como agir. O resultado dessa contradição é pais com sentimentos de culpa e inadequação educacional dentre outras, e filhos sem limites, sem regras, sentmdo-se “sem pai. nem mãe”.
O pai é um ser em crise, perdeu seu status de figura de autoridade dentro do contexto familiar, e em alguns momentos, pela angústia que o homem experimenta diante do novo, o modelo autoritário passa a ser visto como modelo desejável para sempre. O novo dobra-se diante dos velhos hábitos.
Gratch (2001), ressalta que o pai que não se permite sentir dor e fraqueza é o mesmo que grita com o filho para ele parar de chorar em vez de dar atenção a sua dor e, justifica afirmando, que: carência de emoções, agressividade e egoísmo, são defesas do homem moderno.
Diante do exposto, compreende-se como consequência da demanda social atual, a necessidade da construção de um novo modelo de exercício da paternidade: um poder de autoridade mais relativa, exercida de modo mais democrático em busca do prazer da convivência, da troca com os filhos e do descompromisso em ter que afirmar o poder de autoridade a qualquer preço. Influenciados pelas mudanças sociais, principalmente pela revolução da mulher que passou a contribuir para o sustento da casa, os novos pais apresentam tendência em assumir, como de sua responsabilidade, as atribuições do lar e cuidado dos filhos.
Para Burdon (1998), o emprego das mulheres dentre muitas outras coisas serviu também, para aumentar a participação dos homens nas tarefas domésticas e no cuidado e criação dos filhos.
As mudanças no exercício da paternidade estão associadas ás mudanças sócio-econômicas, às repercussões dos movimentos feministas, e provavelmente, à diminuição do tamanho da família e a outros fatores sócio-culturais, mas é fundamental que se ofereçam condições para a mudança efetiva do exercício da paternidade; para o amadurecimento do homem enquanto pessoa, para ser capaz de conduzir seu processo de desenvolvimento e, assim, poder influir positivamente no desenvolvimento dos filhos.
Enfim, uma paternidade mais responsável e feliz está ligada à necessidade de redimensionar, social e culturalmente, o papel do novo pai, possibilitando aos filhos o desfrute de todo o manancial de afeto que os pais podem lhes oferecer.
A reconstrução da identidade não é fácil, pois os papéis masculinos estão carregados de estereótipos e romper com estes mesmo diante das exigências eminentes, é muito difícil.
Esta reformulação de papéis provoca profundas alterações no homem enquanto ser social, e consequentemente em todo contexto familiar. Este movimento altera de forma definitiva a relação entre pai e filho.
Neste processo de transformação do modelo paterno, também, está imersa a mulher com sua multiplicidade de papéis (mãe; esposa; trabalhadora; etc.) potencializando estas mudanças e também sendo modificadas por ela.
Dessa maneira a mulher também deve rever seus valores quanto ao papel da paternidade, pois a construção de uma forma mais eficiente de paternidade é responsabilidade tanto para o homem quanto para a mulher, de tal modo que ela deve ajudar o homem a encontrar-se em seu papel de pai, neste momento de profunda transformação dos papéis de gênero.
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Curso de Psicologia da Personalidade
Marcilene Schorro Gianini
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