Morremos e Nascemos a cada dia, então, por que ter medo da morte?- por Angela Amadesia Zano

Muitas pessoas têm um medo danado da morte. O medo é tanto que o tema é alvo constante de piadas, geralmente assustadoras, assim como em filmes de terror. Toda uma aura envolve a MORTE, inclusive muitas vezes fui questionada: “Você é muito corajosa, não é ?” “Como consegue fazer o seu trabalho?” “Você não fica com medo na hora?” “Você não fica com medo depois?”

Entende-se por tanatopraxia qualquer das técnicas de conservação de cadáveres, por exemplo, o embalsamamento.

Aí reside o meu trabalho, uso a técnica da tanatopraxia e respondendo as inúmeras perguntas que me fazem e ainda me farão, afirmo: “Não tenho medo da morte”.

O Ser Humano, desde que nasce, já começa a morrer. É o ciclo natural da vida: nascer e morrer. Há quem diga que o ciclo é nascer, crescer, casar, morrer... Isso é o homem quem diz. Continuo afirmando que Deus nos deu a vida e que iremos morrer. Portanto, para mim, a morte é natural. O que a perda de pessoas nos causa ou faz-nos sentir, é uma outra questão.

Costumo sempre dizer para quem me pergunta que somos semelhantes a um tomate ou outro fruto qualquer. Enquanto ele está preso no pé, verdinho, ainda não nasceu. Quando arrancado de sua sustentação, mesmo verde, ele já começa o processo da MORTE. Quando está na banca do mercado, vermelhinho, lindo, está no processo de morte. Ele vai morrer um pouco a cada dia.

Assim somos nós. Porém, o que nos difere de um fruto qualquer é que morremos a cada dia, mas também nascemos a cada dia. Nisso reside o grande paradoxo da vida. Nisso reside a nossa sabedoria: morrer e nascer a cada dia, exatamente nesta ordem.

Nós nascemos a cada dia quando somos capazes de agradecer a Deus pela vida que ele nos deu, mesmo com os dissabores, ou principalmente, com os dissabores, pois são eles que nos alimentam e dão-nos a chance de nascer de novo.

Nós nascemos a cada dia quando temos a humildade de reconhecer que Deus nos testa a cada momento e que se erramos, podemos consertar. Como exemplo, gostaria de relatar o caso de uma velhinha que sempre vinha até a Funerária para conversar. Confesso que quando a via, queria correr. Sempre tenho muito trabalho doméstico a fazer e ela muitas vezes ocupava o meu tempo. Um dia ela me disse:

-Você está correndo de mim, Angela?

Sem graça, respondi que não.

-Minha filha, gosto de vir aqui. Você é a única pessoa que conversa comigo. Meus netos só se lembram de que eu existo um dia antes e no dia de receber a aposentadoria, Depois...

Dá para imaginar a vergonha que senti de mim naquela hora? Mas eu tive oportunidade de reparar meu erro e quis reparar meu erro. Morri e Nasci.

Nas pequenas coisas podemos nascer. Basta estarmos atentos a tudo que Deus nos mostra de inúmeras maneiras. Se soubéssemos quais seriam, ficaria fácil.

Nascemos a cada dia quando usamos nossa dor para fazer com que outra pessoa enxergue vida diante dos olhos, pois teima em continuar de olhos fechados. Ao invés de morrer e nascer, morre e morre. Reafirmo, a vida me tirou muito, mas a vida me deu muito. Se reclamo da roupa que tenho para passar é porque me esqueci de agradecer pela roupa que tenho para vestir.

Se reclamo da louça que tenho para lavar, é porque me esqueci de agradecer pelo alimento que tive para comer.

Se reclamo das calçadas que tenho para varrer, é porque me esqueci de agradecer pela casa que eu tenho para morar. Deus conversa conosco sempre, paremos para observar o que ele fala.

Termino dizendo que Deus me deu o privilégio de cuidar das pessoas em seus últimos momentos, nesse mundo. Faço isso com carinho, com respeito. Claro que para isso me especializei. Porém, digo que uso meu conhecimento sobre tanatopraxia a serviço das pessoas que assim como eu morrem e nascem a cada dia e também a serviço daquelas que morrem e morrem.

Angela Amadesia Zanoni Cunha - Especializada em Tanatopraxia